terça-feira, 30 de janeiro de 2007

parte I - onde tudo começou de novo

narrativas da saga de aruc, o riish caminhante do céu

aruc fora hora dessas tal riish, um tipo de sábio antigo, de entre os védicos, tântricos e não tão raro dentre os sufis. tomara para si os votos de bodisattva e assim, responsabilidade pelo bom andamento do dharma - a essência da vida. havia já um bocado que isto se fizera, digo, que por aqui passara, entre nós, falando nossa língua.

quando ouviu seu nome, fez-se mais do que presente. tão rápido que descansou até seu bastão sobre o tempo. as estrelas garantiram a aruc bom grado e sorte para sempre, e logo estava lá, entre os filhos dos antigos.

sentou-se debaixo de uma árvore nova e vigorosa, de casca lisa, folhas verdes claras. um pouco de grama debaixo de seu corpo, terra úmida e vermelha, atmosfera conhecida da combustão de gases de automóveis, comum às metrópoles. sentiu-se feliz por estar ali. conhecia tanta gente interessante e podia ir para muitos lugares.

notava naquela manhã as portas e suas fechaduras, cada pessoa tinha uma chave para entrar em seu próprio mundo. ali, sentado no parque rente à avenida pescou também uma chave, como que num instante. era verdade!

lembrou que certa feita, a verdade lhe passou diante dos olhos; riu-se de canto com tal memória. saíra de 'vera cidade' para tentar a vida na metrópole, bateu numa porta como aquelas que mirara pela manhã, assim como quem bate às portas de uma igreja ou de uma hospedaria. como de costume, verdade estava nua e crua.

uma janelinha se abriu, e um rapaz de óculos escuros e rádio comunicador pôs nela os olhos e todo malicioso agradeceu a sei lá quem por ter sido agraciado com aquela cena. perguntou com um pouco de respeito o que desejava. mau a olhou nos olhos.

- aqui é o escritório de advocacia?
- é sim...
- quero falar com o chefe, ele está? quero trabalhar aqui.
- que nome a senhorita tem?
- verdade.
- verdade! vixi maria, vou falar com o chefe, paciente-se por favor.

ocupando sua posição em pé, no lado de cá da mesa, o segurança dirigiu-se ao chefe:
- senhor, com licença. é que tem uma senhorita aí na porta que veio pela vaga. diz ser a verdade.
- a verdade?! valha-me deus!
- e está nua e crua, senhor!
- cruzes! mande-a embora o quanto antes, o que seria de nós se a verdade entrasse aqui! diga-lhe que assim, nua e crua, não pode trabalhar num escritório renomado.

assim foi-lhe dito pelo homem do rádio comunicador. deixou um cartão caso mudasse de idéia, e assim a verdade se foi.

decidiu voltar depois de uns dia. não sabia ao certo o que vestir, mas como notara que na metrópole cada um andava como bem queria, enrolou trapos ao redor do corpo, achou-se linda, e bateu à porta do escritório novamente. a janelinha se abriu, o moço dos óculos escuros disse sem olhar muito pra lugar algum:

- sim?
- vim pela vaga. gostaria de falar com o chefe.
- nome, dona?
- sou denúncia.

mirou com mais vontade de ver, perturbou-se de cara com os trapos, pediu que aguardasse e fechou a janelinha. agachado rente a porta, elocubrou em sua mente que já vira tal coisa em novela e telejornal, conversou então consigo mesmo no pensamento:

- denúncia é coisa ruim, levanta muita poeira, e o chefe não limpa o escritório faz muito tempo. optou pela autonomia e despediu-a ele mesmo.
- dona, o chefe disse que com estes trapos o que seria da reputação do escritório, é renomado! vá embora ou chamo o segurança.

- mas não é você o segurança? replicou a verdade em disfarce.

o moço se embaraçou, mas manteve-se firme.

- vá, já disse que assim, não podes entrar aqui. fechou a janelinha da porta e suspirou fundo.

a verdade irritou-se, bateu os saltos, virou de costas e saiu denunciando aos 7 ventos tudo o que sabia. os transeuntes que rondavam por perto se recolheram imediatamente para dentro de si mesmos com medo de serem delatados, afinal, cada um tinha seus próprios problemas para lidar e a denúncia dos problemas dos outros era entretenimento para após o dia de labuta, onde se esquecia cada um de suas próprias mazelas.

deixou que alguns dias passassem desapercebidamente, e tomando coragem para ir lá de novo, enfeitou-se toda e decidiu apresentar-se como fábula. gostou do som de seu nome e o repetiu várias vezes enquanto se emperiquitada toda.

- fábula, fábula, fábula... ria de si mesma e deleitava-se em seus artifícios. estranhou-se, pois vivia nua e crua e não sabia ao certo o que seria um 'excesso' nos acessórios.

bateu à porta, esperou que a tal da janelinha se abrisse - o que não se sucedeu. bateu novamente sem sucesso algum. até que notou algo que nunca percebera, parecia de apertar, seguiu à intuição - pois isso a verdade tinha pra dar e vender! prestes a se dar por vencida, a janelinha se abriu e, junto com a música, atendeu-lhe um rapaz interessante que pediu perdão pela demora, explicando que estava no meio de uma festa.

- você quem é, disse ele?

- fábula - disse a verdade com um sorriso sorrateiro - adoro festas! posso entrar e contar umas histórias que só eu sei para encantar você e os seus? sou enigmática e divertida.

diante de tão pitoresca imagem, o chefe, com sua veia capitalista, viu uma oportunidade de entreter a todos sem gastar um tostão. abriu-lhe de imediato a porta e pôs a fábula para dentro, sem cerimônias alguma.